Saúde economiza US$ 2 bi por ano graças a ‘filtro de ar’ em terras indígenas

Incêndios florestais geram despesa bilionária para tratamento de doenças respiratórias e vasculares; estudo quantificou a economia proporcionada pela preservação da Amazônia

AMAZONIA LATITUDE
31/05/2023

A floresta amazônica e seus territórios indígenas podem absorver até 26 mil toneladas de poluentes perigosos liberados por incêndios todos os anos. Essa absorção previne milhares de casos de doenças respiratórias e cardiovasculares mortais, reduzindo significativamente os custos com saúde em algumas das cidades mais desmatadas da região.

As conclusões fazem parte de uma pesquisa revisada por pares e publicada em 6 de abril na ”Communications, Earth & Environment”, uma revista do “Nature Group”.

Com base em uma análise de dez anos de dados, os autores do novo estudo descobriram que cada hectare de floresta queimada custa às cidades pelo menos US$ 2 milhões para o tratamento de doenças associadas. A pesquisa ainda indica que as florestas indígenas –absorvendo poluentes dos incêndios– evitam aproximadamente 15 milhões de casos anuais de doenças respiratórias e cardiovasculares que, de outra forma, custariam ao sistema de saúde US$ 2 bilhões (cerca de R$ 10 bilhões).

O artigo também conclui que as terras indígenas densamente arborizadas estão protegendo as populações urbanas e rurais, muitas vezes do outro lado da Amazônia, no “arco do desmatamento”, a região sudeste da floresta tropical que perdeu a maior cobertura florestal para a agroindústria e outras atividades legais e ilegais.

“No mundo todo, as florestas são conhecidas por absorver poluentes de incêndios por meio de poros na superfície das folhas, mas esta é a primeira vez que estimamos a capacidade das florestas tropicais de fazer isso”, disse a Paula Prist, pesquisadora sênior do Instituto EcoHealth Alliance e principal autora do estudo. “Nossos resultados indicam que a floresta amazônica pode absorver até 26.000 toneladas de partículas por ano, e os territórios indígenas são responsáveis por 27% dessa absorção, enquanto cobrem apenas 22% da floresta.”

Pesquisa reforça a importância de promessas do governo Lula

Divulgadas poucos dias antes de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) completar seus primeiros cem dias no cargo, as descobertas reforçam a urgência da promessa do presidente de reconhecer e fazer valer os direitos territoriais dos povos indígenas –que comprovadamente desempenham um papel central na redução do desmatamento e perda de biodiversidade na Amazônia.

“A ciência mostrou que as florestas de manejo indígena sofrem menos com o desmatamento que impulsiona as mudanças climáticas e o risco de pandemia, mas este é o primeiro esforço para quantificar como eles beneficiam a saúde humana e econômica, indicando que os benefícios vão muito além das fronteiras desses territórios ”, disse a Dra. Florencia Sangermano, coautora do novo estudo e especialista no uso de análise geoespacial e sensoriamento remoto por satélite para avaliar mudanças no sistema terrestre.

Incêndios florestais tornam a Amazônia um centro de poluição

A equipe de pesquisadores, da Clark University, da EcoHealth Alliance, da George Mason University, da Universidade Nacional Autônoma do México e da USP (Universidade de São Paulo), concentrou suas análises na Amazônia Legal brasileira, área que abrange mais da metade do território brasileiro, incluindo 722 vilas e cidades. Durante a temporada de incêndios, do final de julho a novembro, a região se torna “um dos lugares mais poluídos do planeta”, observaram Prist e seus coautores.

Os incêndios florestais em países com florestas tropicais são responsáveis por 90% das emissões globais de partículas liberadas por incêndios, incluindo os da bacia amazônica. E as florestas sempre verdes de folhas largas da Amazônia são mais propensas do que as florestas de outros biomas a liberar aerossóis carbonáceos pretos e orgânicos, os principais componentes relacionados ao aumento da taxa de doenças respiratórias e cardiovasculares na região.

Entre 19 de maio e 31 de outubro de 2021, os incêndios na Amazônia consumiram 519 mil hectares de floresta, com o Brasil perdendo a maior cobertura florestal para os incêndios, segundo o relatório. “O número de incêndios tem aumentado nos últimos anos”, disse Prist. “E em 2020, as taxas de desmatamento atingiram os níveis mais altos da década na Amazônia brasileira.”

Proteger territórios indígenas é uma questão de saúde pública

Outros pesquisadores mostraram que o manejo indígena da terra está protegendo grandes bolsões de floresta de serem queimados, concluindo que as florestas amazônicas estão evitando danos causados pela fumaça nas áreas vizinhas e protegendo as comunidades adjacentes.

O novo estudo vai mais longe. Observando a capacidade dos poluentes de percorrer longas distâncias e a capacidade da floresta tropical de absorvê-los, os autores concluíram que os territórios indígenas proporcionam benefícios econômicos e de saúde a populações que podem estar a até 500 km de onde os incêndios ocorrem.

Nossos resultados sugerem que é necessário agir agora –antes da temporada de incêndios– para proteger os povos indígenas e suas florestas como uma questão de saúde pública.
Paula Prist, pesquisadora do Instituto EcoHealth Alliance e principal autora do estudo

“A falha em reconhecer e fazer cumprir os direitos territoriais dos povos indígenas na Amazônia pode levar ao desmatamento de suas terras e ao aumento do número de infecções relatadas, bem como a um aumento significativo nos custos com saúde, principalmente em áreas já desmatadas”, afirmou Prist.

Atualmente, existem 383 territórios indígenas reconhecidos na Amazônia Legal brasileira, abrangendo mais de 1,16 milhão de km². O novo estudo descobriu que cinco territórios sozinhos (principalmente na região ocidental, com alta densidade florestal) representam 8% da capacidade da floresta tropical para absorver partículas de incêndios florestais.

Metodologia da pesquisa

Baseando-se em uma década de relatórios de doenças cardiovasculares e respiratórias em toda a Amazônia, bem como dados sobre poluentes e cobertura florestal, os cientistas traçaram dois milhões de casos de doenças respiratórias e cardiovasculares a cerca de 1,7 toneladas de partículas liberadas todos os anos por incêndios durante a estação seca, que geralmente começa no final de julho –sugerindo que prejudicar a floresta tropical pode levar a um número muito maior de poluentes e taxas mais altas de doenças.

Na falta de dados meteorológicos precisos, os cientistas dependiam de dados de satélite para quantificar as emissões oriundas de incêndios, que muitas vezes são intencionalmente provocados com o objetivo de limpar terras ilegalmente para a agricultura ou pecuária.

Os pesquisadores não mediram as taxas reais de remoção da floresta tropical; ao contrário, estimaram a capacidade da Amazônia de absorver as partículas que os incêndios emitem durante a estação seca, fazendo suposições com base em estudos feitos em regiões temperadas.

“Apesar dos desafios, conseguimos avaliar a contribuição da floresta amazônica e dos territórios indígenas para a manutenção da saúde humana e os benefícios econômicos que sua conservação pode trazer”, disse Sangermano, professor assistente de geografia da Clark University. “Nossos números provavelmente subestimam os serviços ecossistêmicos prestados pela floresta amazônica e seus territórios indígenas porque não há cálculos para as taxas de absorção de poluentes pelas árvores tropicais.”

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