
Ronaldo Brasiliense
Todo mundo do Pará está careca de saber que o governador de plantão, Helder Barbalho (MDB), descende de uma família de fazendeiros. Seu pai, o notório senador Jader Barbalho, comprou fazendas, no nordeste paraense, há mais de 30 anos.
Então, não é de se estranhar o apoio público do governador às manifestações do agronegócio do Estado contra os indígenas que buscam via (Fundação Nacional dos Indígenas (Funai) demarcar terras supostamente indígenas, em vários municípios.
Os fazendeiros do Pará se voltam também contra o Ibama, que embargou propriedades de centenas de fazendas, na luta para frear os desmatamentos, a mando do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, um aliado da família Barbalho. Lula, vale lembrar, defende em fóruns internacionais a política de desmatamento zero na Amazônia
O apoio aos latifundiários talvez seja a resposta de Helder Barbalho à Justiça – que o condenou a se retratar em suas redes sociais, por divulgar fake news contra os indígenas do Pará que o colocaram contra parede ao ocupar a sede da Secretaria de Educação por três semanas.
A, digamos assim, retratação pública nas suas redes sociais, de Helder, foi publicamente cobrada pela Defensoria Pública da União (DOU) e pelo Ministério Público Federal (MPF).
Vem-me à cabeça A revolução dos bichos, de George Orwell, onde todos os bichos são iguais perante a lei, mas os porcos são mais iguais.
Aguardo andioso pela retratação.
Para ter certeza de que a Justiça não se destina apenas aos três Pes: pobres, pretos e prostitutas, parte do legado que nos deixou o saudoso jurista Heleno Fragoso, que tive a honra de conhecer.
As fazendas dos Barbalho
Sobre as fazendas da família Barbalho no Pará, leiam o que escreveu o acreditado jornalista Lúcio Flávio Pinto, em 13 de junho de 2023:
O presidente do Instituto de Terras do Pará (Iterpa), Bruno Yoheiji Kono Ramos, ratificou a autenticidade do título definitivo de venda de terras número 64, expedido em favor de Raimunda Odette Alves da Costa, em 2 de dezembro de 1960. Trata-se da fazenda Chão Preto, localizada no quilômetro 73 da rodovia Belém-Brasília, município de São Domingos do Capim, com área de 3.611 hectares.
O que a portaria não informa é que esse imóvel foi adquirido em 1992 pelo senador Jader Barbalho (MDB), que forneceu à justiça eleitoral informações sobre o domínio da área, registrada como tendo 750 hectares. Em São Domingos, o senador Barbalho declarou outro imóvel, a Fazenda Modelo, com 2.401 hectares. Em Paragominas ele possuía então a fazenda Cinderela, com 5.318 hectares.
No total das três fazendas, são 8.469 hectares.
(Algo como 8.500 campos de futebol. Comentário nosso)
Negócio sob suspeita
Leiam o que escreveu o reconhecido jornalista Josias de Souza, na Folha de São Paulo, sobre as fazendas da família Barbalho:
Jader mentiu ao Senado sobre terras
Paulo Amorim – 20 abr.2001/Folha Imagem
Sede da fazenda Chão Preto, que foi incorporada à Rio Branco, de propriedade de Jader Barbalho
JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Em pronunciamento feito da tribuna, no último dia 14 de abril, Jader Barbalho mentiu aos seus colegas de Senado. Uma falta que pode custar-lhe o mandato. O presidente do Congresso falava a um plenário repleto.
Ao justificar a aquisição de uma fazenda do megafraudador da Sudam José Osmar Borges, Jader disse que a transação, registrada por R$ 1,7 milhão, fora “declarada no Imposto de Renda”. Não foi bem assim.
O negócio entre Jader e Osmar Borges foi fechado em 5 de janeiro de 1998. Encontra-se registrado na Junta Comercial do Estado do Pará sob o número 1.655.
Conhecido como rei das fraudes na Sudam, Osmar Borges transferiu 1.744.800 cotas da Agropecuária Campo Maior para a Fazenda Rio Branco, pertencente a Jader. Cada cota foi avaliada em R$ 1,00, totalizando R$ 1.744.800,00.
Pela lei, Jader estava obrigado a informar a aquisição à Receita Federal. Como o negócio foi fechado em 1998, o lançamento deveria ter sido feito no ano seguinte, 1999, na declaração de Imposto de Renda da empresa do presidente do Senado, a Fazenda Rio Branco.
A Folha obteve cópias das declarações entregues ao fisco pela Rio Branco nos últimos cinco anos. Não há nos papéis nenhum vestígio do desembolso de R$ 1,7 milhão. Ao omitir a operação, Jader incorreu em crime de sonegação fiscal.
Duas suspeitas
Acrescentam-se, de resto, duas novas suspeitas ao rol de dúvidas que rondam a biografia de Jader: ou o dinheiro que usou na compra da fazenda Campo Maior teve origem ilícita ou a propriedade lhe foi presenteada por seu amigo fraudador Osmar Borges.
Ao discorrer sobre o tema em plenário, no discurso do dia 14 de abril, o presidente do Senado foi categórico: “quem adquiriu [a Agropecuária Campo Maior” foi a Fazenda Rio Branco Ltda., pessoa jurídica. E foi tanto na contabilidade da pessoa jurídica quanto na declaração para a Receita Federal que a operação foi lançada”.
Ontem, a assessoria de Jader forneceu à reportagem a seguinte explicação: a) embora tenha sido registrada na Junta Comercial ao preço de R$ 1,7 milhão, a compra das cotas de Osmar Borges na Agropecuária Campo Maior custou à empresa de Jader apenas R$ 600 mil. Um desconto de R$ 1,1 milhão; b) os R$ 600 mil foram pagos em três parcelas de R$ 200 mil; c) as parcelas teriam sido lançadas nos balancetes internos da empresa e estariam registradas na coluna do Imposto de Renda denominada “realizável a longo prazo”, sob a rubrica “outras contas” (leia reportagem abaixo).
As explicações esbarram nos fatos. O documento que oficializa o negócio ao preço de R$ 1,7 milhão contém um trecho que afasta a hipótese de parcelamento. Trata-se da cláusula terceira: “Em decorrência da transação descrita na cláusula anterior, os sócios se retiram e dão aos sócios que nela ingressam integral e irretratável quitação quanto ao pagamento, respectivamente, dos preços de compra e venda das cotas sociais por eles vendidos…” Não se faz menção à emissão de notas promissórias.
O Imposto de Renda da fazenda de Jader, de fato, anota na rubrica “outras contas” valores que podem embutir as parcelas de R$ 200 mil. Na declaração de 1998, aparece a importância de R$ 203.716,00.
Na de 1999, está anotado R$ 566.967,27. Só há um problema: conforme as declarações entregues à Receita, a Rio Branco não tinha, nem em 1998 nem em 1999, nenhuma dívida de longo prazo.
Três senadores -Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA), José Roberto Arruda (sem partido-DF) e Luiz Estevão (PMDB-DF)- tiveram os seus mandatos levados ao cadafalso por conta de mentiras que proferiram da tribuna do Senado.
Os negócios de Jader com Osmar Borges oferecem aos inimigos do presidente do Senado o pretexto para que o coloquem na mesma trilha.
“Operação Sucuri”
Desde a última quarta-feira, a empresa de Jader encontra-se sob investigação da Receita. Além da Fazenda Rio Branco, o fisco está vasculhando o histórico tributário do próprio presidente do Senado, de seus familiares e de outras empresas de sua propriedade.
Internamente, os fiscais da Receita apelidaram a devassa de “Operação Sucuri”, numa referência àquela cobra típica das regiões de grandes rios e pântanos, capaz de se alimentar de mamíferos. Engole-os depois de triturar-lhes os ossos por compressão muscular.
A sonegação de impostos sujeita aquele que a comete a cobrança do imposto, acrescido de multa de 75% e juros. Se julgar que houve dolo, a Receita aumenta a multa para 150% e remete o processo para o Ministério Público, a quem cabe processar criminalmente os responsáveis.
O relacionamento comercial entre Jader e Osmar Borges começou, na verdade, em 1996. Em maio daquele ano, os dois tornaram-se sócios na Agropecuária Campo Maior, uma fazenda vizinha da Rio Branco. Compraram-na da Estacon, uma empreiteira que mantinha negócios com o governo do Pará, então sob Jader.
A Saint Germany, firma de Osmar Borges enrolada no novelo de fraudes da Sudam, desembolsou no negócio R$ 1,7 milhão. Márcia Cristina Zahluth Centeno, atual mulher de Jader, entrou com R$ 207,00.
No discurso que fez no Senado, Jader admitiu a sociedade com Osmar Borges. Disse ter colocado o nome de Márcia Centeno na transação porque “estava em processo de separação” de Elcione Barbalho, sua ex-mulher. Ou seja, não queria incluir a nova aquisição na partilha de bens. Não explicou as razões que o levavam a temer a divisão de irrisórios R$ 207,00.
Seguiram-se várias alterações contratuais, que culminaram com a transação de janeiro de 1998. Ao transferir o seu quinhão de cotas, Osmar Borges deixou a sociedade. A Agropecuária Campo Maior passou a pertencer à Fazenda Rio Branco, de Jader, e a Márcia Centeno, esta com os mesmos R$ 207,00.
Só no ano passado, a Rio Branco incorporou a Campo Maior, que deixou de existir. Como resultado da fusão, o capital social da fazenda de Jader saltou de R$ 109.091,00 para R$ 1.854.098,00. A operação também foi registrada na Junta Comercial do Pará. Um detalhe chama a atenção de quem consulta os documentos: eles trazem um anexo contendo avaliação dos bens da Agropecuária Campo Maior. O valor? R$ 600 mil.
Assim, verifica-se que, na hora de somar as cotas que “comprou” de Osmar Borges ao capital de sua empresa, Jader Barbalho as avalia em R$ 1,7 milhão.
Mas ao lançar as mesmas cotas nos balanços que servem de base para os cálculos do Imposto de Renda, elas valem menos de um terço daquele valor.
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